Taxação de Carbono e suas Lições

Nossos processos produtivos possuem efeitos sociais e ambientais que não são computados nos custos do empreendimento, se para produzir um tecido eu precisei queimar carvão, o gás carbônico e outros gases liberados na queima não são imediatamente capturados e reincorporados à natureza. Na velocidade com que a queima de combustíveis fósseis e extração de minerais ocorre, muito do gás liberado não é recaptado e passa a acumular na atmosfera, por vezes, a reabsorção acontece em costas e grandes corpos d'água provocando acidificação e aumento de temperatura, comprometendo assim a vida marinha. Outros efeitos são ainda mais sutis mas não menos danosos, cassinos, clubes e outros empreendimentos tem negativos efeitos sociais, culturais e de saúde que não são considerados nos custos de operação. Produção de alimentos, seja vegetais ou proteína animal, também tem muitos dos seus efeitos negativos não computados como custos na sua produção.

Uma forma de contemplar a existência do empreendimento e dos efeitos negativos que ele traz é com um sistema de créditos. Simplificadamente, ações que visam combater um determinado efeito negativo, como por exemplo uma campanha de combate ao vício e de apoio aos dependentes, geraria um dado número de créditos sociais (estou generalizando mas poderia ser mais específico como crédito de saúde pública), atividades que sejam produtoras do efeito indesejado, como as produtoras de bebidas alcoólicas ou fazendas de maconha, precisariam entregar ao governo os créditos necessários para a produção. Portanto, para haver esta produção de itens com potencial de criar dependência e com efeitos negativos para a saúde, a empresa deve entregar ao governo um determinado número de créditos sociais, estes créditos porém só podem ser comprados de quem está do outro lado da equação, combatendo o vício. O governo só faz o papel de arrecadação e regulação dos créditos, mas não os usa pra nada e não precisa manter um balanço fiscal rígido (ou seja, não precisa, necessariamente, arrecadar mais do que "gasta"), imaginando que clínicas de tratamento de dependentes produzam X créditos, e o governo arrecadou Y créditos, se X for maior que Y, teoricamente o governo está em "superávit" mas aqui só significa que a atuação social foi maior do que foi produzido de efeitos negativos, pois muitos créditos foram produzidos (e isso implica que o governo deu estes créditos para clínicas por exemplo) mas nem todos foram consumidos com produção. Y só poderá ser maior que X se houver um estoque de créditos disponíveis, ou seja, agora que tenho boa cobertura de saúde e assistência à dependentes posso ampliar o "déficit" do governo e permitir um aumento na produção. Cabe ressaltar que a produção também pode aumentar em um dado período se a oferta de créditos aumentarem também, não há necessariamente a necessidade da defasagem apresentada, mas como esforços de combate aos efeitos negativos da produção tomam tempo, é muito provável que isso seja o mais típico.


Pronto, resolvido, nada mais para olhar aqui, certo? Errado. Novas variáveis foram introduzidas e precisam ser entendidas, temos o volume de créditos necessários para a produção de um dado item, ou seja, quantos créditos sociais são necessários para a produção de um dado volume de cerveja, por exemplo. Temos também quantos créditos são produzidos por uma dada atividade e por fim qual o preço a ser pago pelos créditos. Existe também uma questão interessante sobre a a negociação entre quaisquer partes dos créditos. Simplificadamente, um mercado de créditos incluiria a possibilidade que créditos fossem trocados entre duas partes quaisquer, independente de uma ter produzido ou não aquele crédito. Imagine que uma empresa pode obter estes créditos antecipadamente, e guardá-los para um uso futuro, mas depois encontrar meios produtivos mais eficientes que não exigem créditos, ela poderia então vender estes créditos para outra empresa interessada nos mesmos. Como todo mercado, regulamentação é necessária para garantir sua eficiência e liberdade de operação.

É interessante que se considerarmos formas que minimizam arbitrariedade nas novas variáveis apresentadas, teremos basicamente a criação de um insumo virtual no processo produtivo. Minha fábrica de automóveis consome "cotas de poluição tratada" juntamente com aço, energia elétrica e trabalho. O custo de produção dessa "cota" será o de plantar árvores e recuperar áreas nativas e seu preço final levará em conta isso além do lucro do empreendedor. O volume da "cota" necessária é objetivamente mensurável (toneladas de CO2 emitida), assim como o volume produzido (tons de CO2 capturada) e portanto não é necessário o governo decidir quais são os números de créditos necessários para produção e quantos são produzidos. O preço também não é fixado neste exemplo e portanto como dito no início, torna o crédito como um insumo como qualquer outro no processo pelo qual sem ele não existe produção. O exemplo citado no início, porém, não permite tal objetividade na definição de quantidades e portanto é mais politicamente influenciável e de difícil manutenção. Importante ressaltar que o Governo pode, assim como o faz para a produção de bens e serviços, ser um agente produtor de créditos. Isto inclusive pode ser feito por via de parcerias entre o público e o privado, permitindo que o incremento nos custos para os consumidores não sofra um duro golpe afetando severamente a economia.


Por mais tentador que seja aceitar que este método é o ideal, cabe observar que existem alternativas, e que dentre elas uma está implantada em alguns países e com inércia para atingir grandes economias, como a dos EUA. Esta alternativa é a taxação do carbono (Carbon Fee) e imediata distribuição desta arrecadação entre as famílias da região (os dividendos). A prática recebe o nome de Carbon Fee and Dividends, ou Taxação de Carbono e seus Dividendos, pois é a ideia de não envolver a arrecadação governamental na equação e não criar um mercado de créditos, o modelo faz um "curto-circuito" e cria basicamente um Imposto cujo valor arrecadado é convertido em Renda para a comunidade local. Aqui, diferentes estratégias pela qual a distribuição dos dividendos é realizada torna-se o centro do debate, isso talvez possa ser decidido democraticamente e tenha como prioridade ações de combate aos efeitos negativos do Carbono. Assim como no sistema de créditos, acredito que o mesmo possa se aplicar a outras áreas como Álcool e Drogas, Jogos de Aposta, Energia e Mineração.

Meu problema com Carbon Fees and Dividends é a ausência de estímulo às práticas benéficas ao sistema, eu pago pela emissão de Carbono, mas eu não recebo pela captura do Carbono. Não existe um estímulo à melhora da condição atual, que em grande parte dos casos já se encontra degradada e negativamente afetada, qual o estímulo ao Reflorestamento e ampliação da Biodiversidade? Reconstituição do solo já devastado pela Agricultura intensiva e desertificação? 


Enfim, isso não é a totalidade das ações possíveis para melhorias sócio-ambientais, ambas as práticas mencionadas (créditos e taxação/dividendos) são fortemente enraizadas em políticas de mercado e participação governamental, não considerando um olhar comunista, eco-socialista ou de inúmeras culturas nativas presentes no mesmo planeta. Infelizmente, grande parte do planeta está sobre forte e estrito controle de governos e políticas de mercado e portanto acho que estudar quais os mecanismos pelo qual atualmente podemos melhorar nossas condições materiais é fundamental.


Fontes das Imagens:

- https://viridis.energy/en/blog/carbon-credit-why-do-they-matter-your-company

- https://indiansustainability.wordpress.com/2015/07/02/carbon-credits/

- https://makeagif.com/gif/chaves-churros-D5rwyW

- http://redgreenandblue.org/2020/03/18/carbon-fee-dividend-free-market-needs-help-dealing-climate-change/

- https://www.permaculturenews.org/what-is-permaculture/

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