Experimento DIN-01: Ilhados


Segue o cenário geral, uma população está presa em uma espécie de ilha, grande o suficiente para todos e com os recursos necessários para a sobrevivência e quaisquer outros interesses deles (contanto que saibam utilizar, o recurso estará disponível). Existe, porém, um estranho item não degradável, o Mysterio, que garante a quem o utilizar satisfazer uma necessidade imediata, por exemplo, saciar a fome ou sede ou tratar uma mazela, enfim, este item não existe na ilha e não há como obter mais do mesmo. Tudo que os indivíduos possuem foi o que eles receberam quando lançados na ilha. 


Sub Cenário 1, uma Ilha Libertária

Diferentes grupos se formam na ilha buscando explorar o território, eles decidem por usar o mapa que possuem e realizam uma divisão da ilha entre si, assim como decidem dividir entre os grupos os Mysterios e outros recursos já disponíveis, para garantir que estes grupos possam trocar produtos entre si, eles estabelecem que os Mysterios serão usados como forma de cambiar produtos, visto que todos tem interesse pelo estranho item e ninguém tem monopólio sobre a criação do mesmo.

Alguns meses adentro e Mysterios começam a ser roubados e rapidamente consumidos, visto sua incrível capacidade de saciar as demandas dos indivíduos e o fato de que aqueles que o detém podem adquirir produtos e serviços de outros. Para mitigar isso, uma estrutura para proteção dos Mysterios é criada, o Tesouro. Todos os moradores da ilha podem guardar seus Mysterios no Tesouro e este emite notas promissórias que permitem o resgate da mesma quantidade de Mysterios. Como quase todos na ilha possuem cofres no Tesouro e suas respectivas notas, os moradores passam a utilizar as notas como moeda de troca ao invés do uso direto do Mysterio, evitando assim a ida até o Tesouro, resgate da quantidade e consecutivo uso, o que apresenta riscos e demanda tempo.

O Tesouro não está confortável com todo aquele Mysterio parado nos seus cofres, o custo de manutenção se amplia e consequentemente a taxa de manutenção cobrada, gerando insatisfação nos seus clientes que vêem suas reservas minguando. Nesse momento o Tesouro decide por abrir linhas de crédito, ele basicamente oferece Mysterios agora em troca da promessa de pagamento futuro da quantidade original acrescida de um valor definido no momento do empréstimo, acréscimo este conhecido como Juros. Dessa forma, o Tesouro passa a colocar em circulação parte do Mysterio nos cofres sabendo que existe uma alta probabilidade de coletá-los novamente com um adicional pelo risco incorrido. Além disso, os custos operacionais do Tesouro se reduzem, já que este não precisa manter mais tanto Mysterio nos cofres.

Em curto tempo a realidade se transforma, não existem mais Mysterios em circulação, somente as notas promissórias, portanto a economia operacional pensada se perdeu, ao contrário, a cobrança dos débitos e distintas situações de falência forçaram o Tesouro a uma ampliação do seu pessoal e aumento dos custos operacionais. Isso porém foi compensado em parte com a remuneração adicional provida pelo oferecimento do crédito. Como, do ponto de vista do Tesouro, o oferecimento de crédito à um indivíduo é basicamente a impressão de novas notas e a anotação da dívida no livro de dívidas à receber, nenhum Mysterio foi criado ou destruído, mas existem mais notas do que reservas em circulação. Portanto, se neste momento, todos os indivíduos da Ilha viessem a resgatar seus Mysterios, o Tesouro não teria como cumprir tal promessa, pois necessita receber todas as dívidas antes, em outras palavras, existem mais notas promissórias em circulação do que existe Mysterio no Tesouro.

O Tesouro todavia se tornou escravo de um contexto econômico fora de seu controle, uma vez que sua reserva tem oferta fixa e limitada (ele praticamente detêm todo Mysterio em existência) mas a riqueza real na ilha e a demanda por recursos é ilimitada, o Tesouro vê uma estranha tendência deflacionária, onde preços tendem a cair ao longo do tempo, visto que a oferta de produtos e serviços cresce continuamente mas o volume de Mysterios é fixo (mesmo que as promessas de Mysterios não o sejam, promessas essas representadas pelas notas promissórias).  Tudo seria lindo e belo não fosse o fato que certos indivíduos na ilha por distintas razões conseguiram grandes acúmulos de Mysterio e visto que a tendência é que preços no futuro serão menores do que os de agora, o melhor a fazer é guardá-los e usá-los no futuro, ou seja, poupar. Esta é uma espiral de destruição, pois quanto mais os grandes acumuladores poupam, menor a demanda por consumo, e com demanda decrescente cai também a produção e o emprego do trabalho e sem renda pelo trabalho ou venda dos produtos a demanda cai mais ainda, repetindo-se o ciclo.

O Tesouro ainda pode buscar criar pressões inflacionárias e corrijir o curso manipulando as suas duas únicas variáveis: 1) a remuneração do crédito, ou juros e; 2) as taxas administrativas para a conta. Aumentar as taxas administrativas pode forçar um resgate de Mysterios e diminuir o custo administrativo do Tesouro, mas também vai diminuir sua capacidade de oferecer crédito e portanto se remunerar. Diminuir as taxas (ou até remunerar as contas) só é interessante se a remuneração oferecida pelo crédito é grande o suficiente para arcar com os custos e existe sobra, porém isso acelera qualquer pressão deflacionária. Aumentar Juros implica também aumentar os riscos de um calote, mas pode ajudar a manter taxas administrativas em um patamar aceitável. Reduzir os Juros ou até oferecer juros negativos (remunerar o empréstimo) é uma forma de criar pressão inflacionária colocando em risco a liquidez do Tesouro (a capacidade de pagar as notas promissórias). Como os preços são definidos em Mysterio, não existe garantia de inflação, e se o mesmo não ocorrer o Tesouro entrará em situação de insolvência, onde sua dívida será maior do que a reserva total de Mysterios disponível, sendo portanto impagável.



Sub Cenário 2, a Ilha Liberal:


Dessa vez, primariamente, eles decidem por organizar uma entidade soberana à todos, eles formam um Governo e este governo é o responsável por toda a reserva de Mysterio (por questões estratégicas), além deste oferecer um meio de troca para a sociedade, o Dyndin. Apenas o governo pode emitir Dyndin e todos na ilha são obrigados à aceitá-lo em troca de serviços e produtos. O Governo porém não impõe nenhuma fixação para preços, sendo estes definidos por aqueles negociando. O Governo também é responsável por estabelecer um sistema de normas e uso dos recursos disponíveis na ilha, assim como mediar os conflitos. Como inicialmente ninguém possui Dyndin e o Governo não quer simplesmente realizar uma divisão inconsequente de um recurso que pode ser criado indefinidamente o método escolhido é o de o governo abrir posições de trabalho e iniciar cadeias produtivas, e ainda para evitar arbitrariedades na distribuição inicial, todas as posições são remuneradas com o mesmo valor. De forma a poder controlar o volume de Dyndin em circulação, o Governo decide criar um mecanismo onde uma parcela do dinheiro obtido por um indivíduo é entregue ao Governo, o Imposto.

Os primeiros meses são marcadas por crescente produção e injeção de Dyndin na incipiente economia da Ilha, casas são erguidas, infra-estrutura de produção, coleta, caça, pesca e oficinas são erguidas e o Governo controla indiretamente os preços com seus Impostos. Após um início de forte participação do Governo, indivíduos começam a oferecer serviços e produtos diretamente um para o outro, onde a remuneração do trabalho é negociada diretamente entre as partes observando-se as normas estabelecidas pelo Governo. A remuneração oferecida pelo Governo faz o papel de salário mínimo, visto que é uma opção sempre disponível. Isso não impede o setor privado de realizar pagamentos abaixo deste valor, porém será assim se o trabalhador estiver interessado naquele valor.

O Governo da ilha foi estabelecido em princípios liberais, e criou assim provisões para que indivíduos pudessem ter para si porções de terra da ilha, assim como liberdade no uso dos recursos ali contidos, uma vez que respeitadas regras de exploração destes. Para acelerar a formação de um setor privado, o Governo decide por oferecer crédito aos indivíduos da ilha. Isto oferece uma segunda opção para manutenção de preços na economia, visto que a taxa aplicada pode sinalizar investimentos ou poupança e assim afetar a relação entre oferta e demanda. Para garantir uma pressão deflacionária, o Governo decide por oferecer também Títulos, basicamente o Governo aceita remunerar o capital parado dos indivíduos com uma taxa fixa, sequestrando assim parte do poder de compra da sociedade (ele não está tomando este poder, visto que será retornado no futuro) e com uma menor demanda preços tendem a diminuir se não houver alteração na oferta.

Com o passar do tempo mais e mais atribuições do Governo são movidas para o setor privado, sendo que diferentes estratégias são aplicadas para definir quais, quando e como.

Perceba que os Impostos não financiam o Governo, pois ele nunca precisou ser financiado, ele quem emite Dyndin e portanto sempre é capaz de cumprir com um pagamento. O papel do Imposto é o de remover Dyndin da economia quando a riqueza existente na forma de trabalho, conhecimento, cultura, produtos e enfim não estão compatíveis com o volume disponível, e além do mais, tem um importante papel de corrijir desigualdades, visto que permite remoção de diferente quantidades para diferentes pessoas (um paga mais do que outro).

De forma correlata, o Governo e o Tesouro usam Juros e os Impostos/Taxas administrativas como principais ferramentas de controle econômico. Obviamente no cenário 1 é possível que o Tesouro decida usar recursos diretamente como investimentos ao invés de unica e exculsivamente prover crédito, mas a diferença é irrelevante de qualquer forma, o grande problema do cenário 1 é que o Tesouro é uma instituição que inevitavelmente se torna insolvente, onde o volume de notas circulante será maior do que a reserva e em um evento onde a reserva seja do interesse dos indivíduos não haverá suficiente para todos. Outro problema inerente ao cenário 1 é que o Tesouro como instituição privada, cujos interesses são os do indivíduo que a controla, não necessariamente tem os interesses do coletivo em mente, e portanto é um monopólio que uma vez constituído não pode ser desfeito. Políticas de controle de inflação, investimentos em qualidade de vida e distribuição de renda ficam todos à mercê do interesse do controlador do monopólio, o que não necessariamente muda no cenário 2, porém visto que o Governo pode ter sua composição alterada pela vontade do coletivo, o controle do monopólio pode ser alterado.



Sub Cenário 3, a Ilha do Povo:


Por pura preguiça da minha parte, pense no sub cenário 2 e vamos alterar a premissa liberal do Governo, substituindo por um controle coletivo dos recursos, e da impossibilidade de alienação pessoal dos mesmos. Basicamente, o Governo não permite a alienação de recursos por indivíduos, mas isso não implica que ele não permite sua exploração e uso, mas que os indivíduos não podem se dizer donos daqueles recursos. De forma a inibir também o acúmulo de Dyndin, o Governo estabelece que o uso de recursos só é permitido se feito por meio de associações de trabalhadores e que estas devem ser democráticas, permitindo que todas aqueles que depositem seu poder de trabalho possam exercer influência. O Governo financia as associações e estas não são permitidas acumular Dyndin, tendo que realizar a distribuição de quaisquer excedentes. Visto que a expansão das associações é dependente do financiamento, essa passa a se tornar uma forma de controle dos acúmulos de Dyndin e desigualdade na sociedade, uma vez que os juros desse crédito não são pré-fixados. No tangente aos impostos, o Governo decidiu por promover um misto de imposto sobre os ganhos e um sobre o patrimônio, basicamente uma parcela é proporcional aos seus ganhos neste ano e outra aos seus acúmulos, se a incidência for apenas no patrimônio a tendência é gerar uma pressão inflacionária onde incapazes de emprestar, indivíduos são forçados a usar o dinheiro no presente, visto que o mesmo será "tomado" caso não usado, desta forma a demanda pelos produtos é maior do que a oferta, fazendo com que os preços subam. Taxar apenas a renda implica incentivar a poupança, forçando a demanda para baixo e criando pressão deflacionária.

Neste sub-cenário o Dyndin passa a ser unica e exclusivamente um meio de troca, pois mesmo garantindo acesso futuro aos bens, seu sistema tributário desistimula o acúmulo e sua estrutura social remove as corporações como detentores de capital e agentes financeiros. O intuito é que nem mesmo o Dyndin fosse necessário, mas ele exerce um importante papel de mediador dos interesses da sociedade no uso de seus recursos e sem ele não existe formação de preços e cria-se uma arbitrariedade na priorização do uso e exploração dos recursos. Porém como é difícil remover o papel de meio de troca e armazenamento de valor (meio de poupar) do Dyndin, um sistema tributário e de controle de capital é estabelecido garantindo que o Governo não só detém o monopólio da produção do dinheiro mas também do crédito. A remoção da propriedade privada dos meios de produção, como a terra, é fundamental para que nenhum indivíduo isoladamente possa controlar a produção e assim escravizar outros indivíduos por meio de um sistema econômico desigual (escravidão moderna, ou como apresentada em inglês, wage slavery).

Aqui, grande parte dos empreendimentos realizados são feitos pelas associações e não diretamente pelo Governo, como no sub-cenário 2. A diferença é que o Governo exige uma coesão de opinião muito maior sobre a direção a seguir e estratégias a serem adotadas que quando feitas por associações, que representam interesses de coletivos menores, facilitando o alcance de coexão. No sub-cenário 2, o Governo exerce um papel de linha base da economia, buscando oferecer sempre a garantia do pleno emprego e um bem estar social, independente de quão desigual a sociedade se torne, isto é feito pela forte presença estatal na produção e pelo controle inflacionário. No caso deste sub-cenário 3, temos um papel distinto do Governo que ainda serve como regulador dos interesses do povo porém não remove deste sua autonomia de atuação, e não está preocupado diretamente com o uso máximo do poder de trabalho, mas sim com oferecer autonomia às entidades de representação dos interesses desses trabalhadores. As associações, por definição, são formadas por pessoas com interesse direto no objeto de trabalho, afinal são eles os trabalhadores, e como não competem entre si por um objetivo externo ao seu objeto de trabalho (ou seja, se orientam pelo trabalho não pelo lucro) eles estabelecem uma cultura de uso do espaço produtivo que tem mais espaço para levar em conta o bem estar da sociedade ao invés do bem estar dos indivíduos realizando o trabalho (em outras palavras, afirmo que pescadores organizados para a exploração da pesca, sem competição entre si e sem lucro individual, buscarão uma forma mais sustentável de realizar suas atividades do que aqueles orientados pelo lucro individual).


Fontes das Imagens:
[1] https://tcibythelake.com/desert-island-survival-scenario-teach-conditional-tense/
[2] https://www.bentlyreserve.com/about/
[3] https://www.theburningplatform.com/tag/fiat-currency/
[4] https://imgur.com/gallery/KbPrjkp






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