Dinheiro, dá pra ser diferente?

Segunda postagem na série, "Julio não sabe nada sobre dinheiro", quero primeiro começar com uma provocação sobre a etmologia da coisa, dinheiro é riqueza?

Eu não sou louco de afirmar que dinheiro não representa riqueza, ou que ter um monte de dinheiro não te faz rico, mas a pergunta não é essa, mas sim se ele É riqueza, e esta não parece ser uma afirmação verdadeira. Ao meu ver, seu aspecto representativo, faz com que o dinheiro não tenha valor algum fora daquele atribuído pelos fatores econômicos e garantido pela autoridade que o criou, e este valor não é possível de ser diretamente consumido, ele pode ser usado para obter algo que poderá ser consumido. Riqueza portanto seria o conjunto desses elementos que podem ser adquiridos por meio do dinheiro, sejam eles itens de consumo como comida e demais bens de consumo, sejam eles conhecimento e a propriedade intelectual, seja arte, cultura ou capacidade de trabalho. Sim, possuir larga soma de dinheiro faz alguém rico, mais porque lhe habilita a adquirir grande volume de riquezas do que por qualquer propriedade que o dinheiro em si possua. Isso é importante, pois dinheiro é criado constantemente (reserva fracionária, impressão de notas), ou seja, se a riqueza não cresce em igual proporção, o dinheiro que já existia passa a valer menos. Quando falamos de uma sociedade altamente envolvida no mercado financeiro, valor este que é contabilizado no PIB (não é óbvio nos relatórios de composição do PIB), temos um entendimento do crédito como parte da riqueza, só que esta concepção me soa estranha, parece afirmar que dinheiro é, portanto, riqueza ... recursão ... enfim, pode ser um erro de interpretação meu, mas quando vejo que alta parcela do PIB é decorrente do mercado financeiro e não de indústria, comércio, serviço, privado e público, fico com pé atrás que não existe lastro em riqueza real para o dinheiro, e uma inflação fica na surdina, pronta para abocanhar. [Leitura Adicional]

Tá, passada a discussão filosófica, gostaria de apresentar algumas ideias doidas sobre dinheiro, talvez possíveis com o dinheiro que estamos acostumados (Moedas nacionais, como o Real ou o Dólar) mas provavelmente algumas só seriam concretizáveis com Moedas puramente digitais, as Cryptocurrencies.
Começando pela mais simples, que seria ao meu ver uma consequência natural de uma comunidade onde só exista o Bitcoin como Moeda. A ideia é basicamente um Sistema de Reserva Integral, ao invés do Sistema Fracionário que usamos. Em um sistema sem fração de reservas, o Banco (que perde um pouco o sentido, mas vá lá) não poderia investir uma porção do dinheiro depositado, tendo que possuir reservas equivalentes aos depósitos a todo momento. Não seria o fim do crédito, pelo contrário, seria prover transparência do mesmo para os Depositantes, assim como transferência de parte do risco para o mesmo. Lembrando, Bancos ainda possuem poder de escala, então, se o cliente entender que o dinheiro dele está sendo usado em um investimento x, ele aloca quantos fundos vai dedicar, escolhe entre uma cartilha de opções e estas vão combinar com outros clientes para formar volume de investimento. Não entendo porquê ainda usamos o sistema fracionário, ele oculta um risco dos correntistas, favorecendo o depositário, sendo que na reserva integral esse risco pode ser assumido de forma livre, e o depositário pode cobrar taxas dos clientes para manter sua operação, e oferecer linhas de investimentos, onde o risco é compartilhado (Bancos ainda tem sua reserva, formada durante sua criação e ele partilha o risco para tornar os investimentos atrativos).


Agora que vem uma ideia louca, e se o dinheiro desaparecesse depois de um tempo parado? Esqueça as limitações práticas atuais, e concentre-se na natureza digital das Cryptocurrencies, como entidades descentralizadas e blá blá blá. Portanto, temos o nosso dinheiro, em nossa nova sociedade imaginária, Gaia, os Tokens de Gaia, uma cryptocurrency, na linha do Bitcoin, mas com uma dinâmica diferente, os Tokens desaparecem se não utilizados. Eles desaparecem mais rápido quando estão em grandes quantidades, ou seja, eu tenho 100 Tokens (T), e amanhã tenho 99T, depois eu teria algo como 98.1T ou sei lá, mas perceba que eu perdi menos quando tinha 99T do que quando tinha 100T. Logo, duas coisas não são incentivadas, acúmulo e estagnação.O ideal não é ter muito dinheiro na carteira, é ter acesso a crédito e ter seu dinheiro sendo usado para oferecer crédito, por exemplo. Isso cria uma pressão deflacionária no sistema, que é combatida por meio de circulação e investimento, operação da Moeda em um ritmo que é controlado pela taxa pela qual o dinheiro é removido do sistema. Em casos de uma economia em declínio, onde Tokens se tornam escassos, a recompensa da mineração pode ser usada como estímulo monetário, criando pressão inflacionária. Tá bom, não tem nada de novo nisso, isso se chama Imposto, porém acho que aqui, temos um sistema mais portável para uma total liberdade monetária, pois é a natureza do dinheiro, ele é contra os Tio Patinhas. Outra diferença é que estamos acostumados à impostos sobre consumo ou renda, e esse é sobre patrimônio, não importa quanto você recebeu, importa quanto você removeu da economia e por quanto tempo. Repare que como a quantidade de dinheiro possuída é levada em consideração para cálculo de quanto dinheiro se perde, naturalmente emerge um limiar natural onde pouco ou quase nenhum dinheiro se perde, por exemplo, pode ser que a perda é tão inexpressiva quando atinjo 50T que é quase como se não estivesse perdendo nada (e talvez seja efetivamente, pois tem que haver uma unidade mínima para o dinheiro, como 0.000001 ou algo assim). Desta forma, cria-se um volume de dinheiro ideal, baseado na realidade da comunidade, e se remove o incentivo para acúmulos que quando estagnados, não movimentam a economia. Repare que não existe impedimento à desigualdade social, pois dinheiro é acesso à riqueza, e ao invés de acumular o primeiro, o rico passa a acumular riqueza de forma mais direta, seja por meio de propriedades, equidade, e enfim, todas as sortes de ativos e investimentos. Porém, tal prática, em teoria, promove a atividade econômica e o crédito a baixo custo, além de ampliar as ofertas de assenção social.


Tem uma cryptocurrency que, em meu entendimento, opera nessa linha, Freicoin, que aplica a noção de Demurrage Fee, termo originário da cobrança de "estacionamento" às embarcações, e que aplicado à dinheiro teria o mesmo sentido, cobrar por dinheiro parado. Esta proposição visa separar a noção de dinheiro como forma de "armazenar valor", ou no português claro, poupar, e sua atuação como o veículo que intermedia a troca de valor entre pessoas. A analogia feita é que dinheiro não deve ser usado para acelerar (o veículo de troca) e frear (o armazenamento) a economia. Esta forma de taxação balanceia os poderes na negociação entre o dono do capital e aquele em necessidade do mesmo, por exemplo, se alguém detém muito capital e tem interesse em emprestar, ele pode esperar até atingir um rendimento (juros) que lhe interesse, enquanto aquele que procura crédito não tem nenhum instrumento de representação nessa relação, a situação muda quando o Demurrage Fee começa a "comer" o dinheiro do detentor do capital, pressionando este para que empreste dinheiro, mesmo a taxas bem baixas ou até mesmo zero (afinal, não perder dinheiro é melhor do que perder). Existem outros detalhes envolvidos na operação da Moeda, que envolve mineração e uma fundação para investimento do dinheiro que foi "comido", mas isso é mais a mecânica da coisa do que seu fundamento. Isso tudo é inspirado no trabalho de Silvio Gesell, mercador e economista alemão do século XIX, contemporâneo a Marx e crítico do mesmo, pois Gesell acreditava que qualquer sistema econômico para ser bem sucedido deveria atender as demandas dos indivíduos e estabeleceu em sua, Ordem Econômica Natural, o conceito de Free Money (em alemão é Freigeld, daí o nome da Moeda) e da noção de Demurrage Fee, que ele implanta usando selos que deveriam ser colados no dinheiro para garantir validade (foto acima) em seu breve período como representante chefe das finanças da República Soviética Bavariana em 1919.

Tenho mais um post no forno onde quero discutir a questão da Inflação, e sua aparente dualidade, além de um outro onde discuto uma experiência recente com a proposição de uma nova Economia, desenhada para promover uma sociedade mais egalitária, auto-regulada e com menos influência da noção de Nações.

Fonte das imagens, começando pelo topo:
[1] https://deesfitness.files.wordpress.com/2013/08/material-wealth.jpg
[2] https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlm54WVXwcYHaNcxRDEabYBo_Lqm3sq4mzZMJfvPnQKlKMZh2EhjWkbUewL7T_jq75-zl3Jv1oM2NrtswemtlAePOJTve59AOWTntDE7uHctUeBsw9XR-XJFK2tcMsuRc_-eAX1pvBewQ/s1600/transparent+piggy+bank.png
[3] https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP5Oxahf_E6vS4Zgx2sgLdVmzPpHZtJs61Eysut8Da_ejyn774sxgu8OxTTv7yffTZA1KC5xzq65CSrfIpBf7ifSJnfO5WxkpfrLw5gTpZSdKWb4LmF3AaDzBKwQvDJaUCwZW6tIc5Y1Cm/s1600/burning-money.jpg
[4] https://unterguggenberger.org/wp-content/uploads/2016/05/UnterguggenbergerInstitutArchiv_Woergler-Freigeld.jpg


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