Ensaio sobre Dinheiro Moderno e Impostos no Brasil

Em resumo e de forma simplificada, só existe uma autoridade que pode emitir o Real, e esta é o Governo Federal Brasileiro (não foquemos no instrumento e qual instituição do governo, imagine uma impressora de dinheiro na sala do presidente). Caso não houvesse nenhuma unidade de Real na Economia, ninguém poderia realizar transações, senão por troca direta (escambo) ou uso de uma outra moeda, e como apenas o Governo é capaz de emitir o Real, ele precisa primeiro "gastar" ou seja, consumir Bens e Serviços do setor privado para que este setor tenha assim Real para utilizar em suas transações internas. Não existe nenhum impedimento natural para o Governo comprar tudo que está disponível na Economia (existe óbvio o fato de que a iniciativa privada não aceitaria), mas existe uma consequência conhecida por todos, a hiper-inflação. Poderia então o Governo concentrar-se em não consumir todos os Bens e Serviços da Economia, mas antes mesmo de considerar isso, qual o estímulo para que o setor privado aceite a moeda criada pelo Governo em primeiro lugar? O setor privado poderia usar qualquer moeda para suas transações, ou a troca direta. A resposta é também um velho conhecido, os Impostos. Ao exigir um pagamento que só pode ser feito na moeda que o Governo emite, ele força assim o setor privado a vender parte de sua Economia para o setor público de forma a poder cumprir com os Impostos que deverá pagar.

Logo, Impostos não servem para financiar as contas do Governo, eles são necessários 1) para criar o estímulo necessário para a adoção da Moeda, 2) para remover o excesso de Moeda na Economia. Sua primeira função é mais fácil quando vista em Impostos não associado à receita de um indivíduo ou empresa, mas sim ao patrimônio e uso da terra, como exemplo temos os impostos sobre propriedade urbana e rural, impostos sobre consumo e sobre produção. Impostos que incidem sobre receita, cumprem principalmente o segundo papel (remover dinheiro da economia), mas são também utilizados para promoção de igualdade, visto que visam limitar os meios pelo qual o acúmulo acontece no setor privado e remover mais dinheiro daqueles com mais do que daqueles com menor taxa de acúmulo.

A perda desse entendimento sobre a natureza monetária cria uma segmentação dos gastos do setor público no Orçamento e estabelece imposições artificiais sobre como a moeda opera, gerando distorções como a Dívida Pública e a discussão sobre o tamanho do déficit da Previdência. Se não observada de forma individual, a previdência é por natureza deficitária, afinal como vimos, os impostos não cobrem os gastos do Governo, ele nunca teria problemas em "imprimir" os reais necessários para pagar seus aposentados e pensionistas. Não existe determinismo nessa arrecadação, visto que é configurada por um complexo sistema tributário, e estas flutuações vão fazer com que a previdência (quando olhada em isolamento, baseado nos vínculos estabelecidos) seja ora superavitária, ora deficitária. Porém, visto o real entendimento da moeda, e do fato de que os vínculos de receita são puramente arbitrariedades do Congresso, a questão é que no regime puro de repartição, o Governo é quem paga pela Previdência e a posterior "arrecadação" com tributos segue sendo o mesmo mecanismo de drenagem da moeda para controle inflacionário e distribuição de renda.


Nesta nova ótica fica óbvio que a previdência é deficitária, mas isso nunca foi um problema, pois este déficit é do Governo, emissor da moeda, o que implica em superávit do setor privado, que se propriamente amparado por ganho de riqueza real, é sustentável e não inflacionário. Simplificadamente é dizer que não interessa quanto dinheiro os aposentados vão ter daqui a dez anos, mas sim quanta riqueza existirá para que eles possam gastar esse dinheiro. A moeda produzida pelo Governo é entregue à parcela aposentada e pensionista da população, que gasta quase a totalidade senão a totalidade disto na economia, fazendo com que produtos e serviços sejam vendidos e portanto que pessoas ativas (trabalhadores e empresários) ganhem os recursos necessários para seu consumo e para pagar seus tributos. Portanto, o que deve ser discutido e reformado não é necessariamente o modelo, ou o tamanho do déficit, mas sim, a justiça na distribuição desses recursos. Havendo descalabros e abusos, estes devem ser combatidos.

No que tange a incompreensão da natureza monetária, um dos maiores vilões é a noção de que o governo precisa emitir MAIS títulos da dívida pois não tem arrecadação suficiente para pagar os gastos primários e os juros e amortização da dívida. No atual volume, simplesmente "quitar" a dívida imprimindo o dinheiro necessário provocaria um déficit incompatível com o crescimento real da economia, o que provavelmente iria se manifestar como alta inflação. Mas explicitar a natureza desse mecanismo na fabricação de injustiças e como freio da inovação e produção é fundamental, esconde-se por trás de uma incompreensão da realidade monetária do país, uma violação da classe trabalhadora, alienando esta de usufruir dos frutos da sua própria produção enquanto preserva uma classe parasita que senta confortável sobre seus acúmulos enquanto vê o país trabalhar para ela. A verdade é que o Governo pode financiar qualquer empreendimento que decidir fazer, restrito apenas pela vontade do Congresso manifesta pelo Orçamento, o foco deveria ser garantir pleno emprego e uma base pública de bem estar social, acompanhado de um Plano Tributário consciente da natureza real da Moeda e que permita própria remoção e distribuição de Moeda na economia.


Mais do que imaginar um sistema central onde o Governo Federal impõe toda a agenda econômica, o importante é usufruir da capilaridade do sistema federativo e do conhecimento das comunidades sobre suas próprias necessidades e realidades. Assim, remove-se instituições como "teto de gastos" e superávit primário, além de remover também grande parte do aparato tributário, que é desnecessariamente complexo e acoplado (vínculo de arrecadação com uma finalidade de gasto) por um que favoreça a distribuição dos recursos nas Economias locais. Torna-se desnecessário os atuais veículos de atuação do Banco Central e Tesouro, seria muito mais fácil e transparente se todos tivessem contas correntes diretamente junto ao Tesouro (que faria também o papel do Banco Central) e essas pudessem ser remuneradas diretamente pelo mesmo (óbvio que representando um perfil de gastos aprovado pelo Congresso). Títulos da Dívida Pública são exatamente isto, remuneração de ativos parados, porém utilizam de um nome que indica uma relação desfavorável ao emissor (que está se endividando) ao invés de ser explícito e utilizar um nome como "Contas Individuais Remuneradas" que diretamente tratam do papel que o instrumento cumpre (o da boa e velha poupança). A forma como isso é noticiado cria uma impressão de que Governos lançam mais títulos e aumentam juros pois querem se tornar "atrativos", o que é falso (o governo americano está com o menor juros da história recente e com pacote trilionário de estímulo sendo aprovado) e alimentam a narrativa de que o Congresso deve cortar gastos para evitar assim que o governo pegue dinheiro "emprestado".

No campo tributário, o IVA, Imposto de Valor Agregado, é uma forma excelente de distribuir o efeito dos encargos no território, a lógica é em cadeia e permite que as arrecadações sejam feito ao longo da cadeia, beneficiando as entidades locais. É importante frisar que só o Governo Federal conta com o monopólio da Moeda, portanto o IVA ajuda o mesmo a distribuir a mesma pelas Cidades e Estados que ainda tem que buscar formas tradicionais de financiamento (mesmo que por empréstimo Federal). A lógica do IVA é que em cada momento de venda na cadeia de um produto, o imposto seria aplicado e coletado localmente, o pagador desse imposto porém receberia parte do valor de volta quando vende o produto adiante na cadeia, essa diferença representa o valor que este nó da cadeia agregou ao produto, e portanto o volume arrecadado será proporcional. Para a renda, acho que é possível estabelecer políticas sobre como empresas distribuem lucros e isso regulado para reduzir ao máximo essa carga, já para a pessoa física, um modelo marginal progressivo seria o mais balanceado, basicamente a nova alíquota só se aplica no valor acima do piso (o valor marginal) e podem chegar a ser bem altos como 80% para valores acima de milhões ou dezenas de milhões.  

Edit: Adicionando uma fonte para servir de referência futura:
https://www.academia.edu/30637492/Understanding_The_Modern_Monetary_System

Fonte das imagens (na ordem em que aparecem):
- http://boquino.com.br/plano-real-completa-25-anos-em-meio-a-criticas-a-politica-economica-do-periodo/
- https://giphy.com/gifs/memecandy-KzPhDm4lBUPDQ1c7du
- https://www.memecreator.org/meme/imposto-roubo-o-estado-uma-mfia-de-ladres-quem-cuidaria-das-estradas-sonegar-leg/


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