Voto Distrital, Distritão ou Proporcional?


Segunda publicação sobre a nossa queridíssima "Reforma Política" (novamente, deixo aqui meu repúdio com a generalidade do termo, e meu voto pelo uso do termo Reforma Eleitoral, pois nada mais muda senão como elegemos os representantes, nem mesmo o número deles). Na última postagem, apresentei de forma rápida a questão do Voto Distrital no Estado de Washington, EUA, e pretendo nesta detalhar um pouco minha opinião sobre este sistema, contrastá-lo com o sistema brasileiro (Voto Proporcional) e com a aberração defendida pelo Sr. Michel Temer, o Distritão (sistema usado em 4 países no mundo, incluindo Afeganistão), proposta que foi rejeitada pela câmara duas vezes, inclusive em sua segunda tentativa oferecida em um modelo híbrido com o sistema Proporcional (impossível não ver a segunda proposta como um "puxadinho", uma "gambiarra").


Voto Distrital
Divide-se o País (Congresso), os Estados (Assembléias) e as Cidades (Câmaras Municipais) em distritos, em correspondência de um assento por distrito na respectiva casa. Nos EUA, onde o voto é Distrital, os distritos para o Congresso (House of Representatives) são diferentes daqueles para as legislaturas estaduais, porém isto não é uma obrigação, e cabe a ressalva de que existe uma instância adicional, denominada Condado (County), que não possui corpo legislativo próprio, mas tem importância no desenho dos distritos e em outras organizações do Estado (como polícia, bombeiro e escolas). Outra diferença é que a legislatura municipal, chamada de Conselho Municipal (City Council), não é distrital, porém, elegem-se representantes para cadeiras específicas no Conselho (e.g Eleição para a 3a posição do Conselho) e estas "cadeiras" operam como distritos (ou seja, você se candidata para uma cadeira específica) do ponto de vista eleitoral.

O ponto mais crítico deste sistema é a divisão da população nos distritos, desenho este que é arbitrário, e toda e qualquer regra usada influenciará posteriormente os resultados da votação. A razão disto é que em situações partidárias binárias, ou seja, com dois partidos como nos EUA, o que ocorre é a tentativa de realizar desenhos de forma a maximizar o número de representantes eleitos de um determinado partido, efeito conhecido como Gerrymandering. Em situações pluri-partidárias o efeito do Gerrymandering é minimizado, pois existe muita heterogeneidade no eleitorado para desenhar soluções que maximizam partidos sem causar enorme insatisfação naqueles alienados.

Entre as grandes vantagens está a simplificação da disputa eleitoral para o eleitor, isso se dá pois cada eleitor vota para um único distrito, e portanto tem que escolher entre os poucos candidatos que querem representar aquele distrito (nos EUA, em geral são dois, escolhidos nas primárias dos próprios partidos, e distritos são do tamanho de cidades pequenas). Isso permite um olhar muito mais crítico aos candidatos no pleito, reduz os gastos de campanha destes candidatos, e os aproxima de seu eleitorado, para discussões que busquem dar visibilidade para as demandas naquele distrito. A sensação é a de votar para cargos no Executivo, como Presidente ou Governador, poucos candidatos, apenas um vence.

É difícil pontuar a atuação de um único representante porém, e isso torna-se levemente desvantajoso, criando uma tensão entre as demandas partidárias (e de cunho mais ideológico) e as demandas do distrito (e portanto mais práticas e imediatas). A desvantagem está em sistemas pluri-partidários, onde um único representante tem pouco poder no Congresso, e as eleições distritais (com sua forte fundamentação em demandas regionais) tendem a uma composição mais diversificada do Congresso, ou seja, do ponto de vista de condução nacional, as macro-pautas e fundamentos ideológicos tem mais peso, são necessários muitos votos para aprovação de medidas importantes, e estes votos tendem a se consolidar em linhas partidárias e ideológicas.


Voto Proporcional
Talvez existam inúmeras formas de se realizar tal sistema, porém, na forma como está constituído no Brasil, consiste no voto popular direto nos Representantes (separados por Estado), e uma vez estes contabilizados, no estabelecimento do chamado Quoeficiente Eleitoral. O QE é simplesmente o resultado da divisão do números de votos válidos pelo número de assentos disponíveis para aquele Estado. Somam-se todos os votos dados aos candidatos de um determinado partido, e divide-se este pelo QE, determinando assim quantas cadeiras o partido irá ocupar, sendo estas ocupadas pelos candidatos mais votados daquele partido (e recentemente existe um mínimo de 10% dos votos do QE para que o candidato seja qualificado para a cadeira). Existem complicantes ainda na aplicação deste sistema no Brasil, pois o TSE permite a formação de Coligações Partidárias, e o excedente de votos obtidos por um partido podem ser cedidos à outro na Coligação, ou seja, a distribuição dos votos para alocação das vagas é pela Coligação e não pelo Partido apenas.

Uma vez compreendida a matemática, percebe-se que a óbvia desvantagem desse sistema é o enorme volume de candidatos no pleito, o Estado de São Paulo possui 70 deputados no Congresso, e cada partido pode apresentar até 105 candidatos, sendo que estamos falando de algo em torno de 30 partidos. Além disso, os candidatos podem conseguir votos em qualquer parte dos Estados, e estamos falando de Estados cujo tamanho é o de muitos países mundo afora, ou seja, altos custos de campanha e uma mensagem diluída, puramente partidária e ideológica, sem muito aprezo à realidade das populações dos Estados. Por fim, independente de quem foi seu candidato, os 70 representantes do Estado estão lá para representar toda a população do Estado, e portanto, é papel desta acompanhar e garantir que estes estejam tendo uma boa atuação, focada nas necessidades da população. Em realidade, muitos sabemos que isso raramente acontece, e concentram-se as observações do histórico parlamentar para as próximas eleições (se é feito) e pouquíssimas pessoas lembram quem escolheram para representá-los.

Não podemos ignorar que é um sistema com potencial, especialmente, em sistemas bipartidários como é o dos EUA. Digo isso pois com forte identidade ideológica na população, o papel do indivíduo no Congresso é menor, e o papel do Partido é maior, assim sendo, um sistema que remove as desigualdades da arbitrariedade no desenho dos distritos (voto proporcional é antes de mais nada voto popular, de apuração única), promove uma escolha mais centrada em figuras centrais partidárias para a composição do Congresso e mapeia muito melhor as demandas da população (cuja competência é do Congresso, poucas ações distritais cabem ao Congresso Federal, muitas destas estão concentradas na aprovação do Orçamento). Se formos observar, é assim que ocorre no Brasil, são os mais votados aqueles com grande visibilidade, e portanto, estes servem de porta-voz de uma agenda partidária e ideológica (ok, tem o Tiririca também). Mapeando isso para a realidade americana, assim que uma candidata como Alessandra Ocasio-Cortez, ou Paul Ryan, que são mais do que apenas representantes, mas também portadores de uma mensagem ideológica e partidária forte, se lançam no pleito, teremos forte votação para estes, que trarão juntos outros candidatos de seus partidos (os mais bem votados entre eles), representando futuramente no Congresso a composição apresentada pela população (suponhamos que 60% dos votos foi Democrata contra 40% Republicano, esta será também a composição do Congresso para aquele Estado).


Voto Distritão
Só enquadrei aqui para falar mal pois, apesar do nome, nada tem de Voto Distrital, sendo basicamente um sistema de Voto Proporcional sem a regra de Quoeficiente Eleitoral e distribuição dos votos excendentes, formalmente definido como Voto Único Intransferível. Sendo assim, são colocados na câmara, os candidatos mais bem votados, em ordem do mais votado ao menos, até acabarem as vagas. Parece uma boa, pois é simples e aparenta ser justo. Infelizmente não é, pois no modelo proporcional objetiva-se manter a proporção com a qual a população elege um partido, ou seja, uma ideia, uma proposta. Neste sistema, se o candidato mais votado do partido A, tiver 50% dos votos, e mais ninguém no partido tiver dentre os mais votados (além dos 10% mínimos), o partido com 50% dos votos só elegerá um único membro para o Congresso, removendo-se assim a representatividade de larga parcela da população. Lembrem-se, o Congresso Federal é a real representação da vontade do Povo, não a Presidência. É portanto importantíssimo, que este reflita da melhor forma possível, a distribuição ideológica e partidária da população. O Voto Proporcional apresenta o melhor mapeamento desses interesses no Congresso (dado que respeita a proporção e é livre da arbitrariedade no desenho dos distritos) porém o Voto Distrital apresenta a melhor conexão entre Representante e Eleitorado e campanhas mais simples e baratas. Enfim, goste ou não do sistema proporcional, a única alternativa real é o Voto Distrital, e lembre-se que este vem com o seu próprio conjunto de desvantagens.

Concluo apenas dizendo que acredito que nada deve ser eterno e nosso sistema eleitoral deve levar em consideração a maturidade política da população. Os EUA tem uma longa história de republicanismo, tendo fortemente inspirado o Brasil, e isso deu a sua população uma polarização ideológica madura, que permite a adoção de um Voto Proporcional sem acarretar nos graves problemas decorrentes deste como o uso de famosos sem expressão política como "Puxadores de Voto" (ok, eles elegeram o Reagan, Trump e o Schwarzenegger, porém todos melhores do que o Tiririca). Ao mesmo tempo, devemos nos orgulhar do nosso cenário partidário plural, com grande distribuição no espectro ideológico, e podemos usar das vantagens do Voto Distrital para expurgar essa má política que assola nosso Legislativo e é, em minha opinião, a indubitável razão pela qual o país não progride.

Fonte das Imagens:
[1] https://chess-teacher.com/wp-content/uploads/2015/12/tugwar.png
[2] http://just.thinkofit.com/wp-content/uploads/2015/06/gerrymandering-1024x760.png
[3] http://mauricioromao.blog.br/wp-content/uploads/2011/03/puxadores-de-votos.jpg
[4] https://teara.govt.nz/files/33714-pc_0.jpg

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