A Minha, a Sua, a Nossa Dívida - Reflexões sobre a Dívida Pública

Resumo aqui algumas leituras interessantes sobre o tema Dívida Pública, e recomendo minhas outras publicações na série Dinheiro (Setembro de 2018), pois este é um assunto que tem grande relevância na condução do país, ajuda a compreender o papel do Governo na sociedade e está sempre em voga no debate eleitoral. Além do mais, todo mundo diz que pensa em Dinheiro, mas pareço ser o único que está preocupado em entendê-lo, criticá-lo e espero que um dia transformá-lo em algo de significância real na nossa humanidade, em nossas experiências subjetivas, e não nessa arma de exploração e propagação da pobreza.

Vamos começar pela dívida individual, isso mesmo, aquela que você pede primeiro pra parente com juro baixo e prazo flexível, depois tenta amigo, porém tem que colocar a amizade como "calção", e na falta de opção vai procurar crédito em banco e outras financiadoras que pedem dinheiro como contrapartida pelo empréstimo, na forma de juros (em alguns casos um fiador também é necessário, ou a alienação de algum item, a penhora). Agora no seu orçamento doméstico vai ter um passivo a mais, a dívida recém adquirida, que você amortiza ao longo do tempo, pagando parcelas do principal devido junto com os juros. Caso no seu orçamento doméstico, ao somar todas as despesas (incluindo a amortização e juros do empréstimo) você tenha mais do que você terá de renda, você fechará o mês em déficit, e dependendo do perfil de seus compromissos, cortes terão que ser realizados. Se mesmo após cortes não houver forma de eliminar o déficit, você está falido, enquanto houverem reservas nos seus ativos, você vai sobreviver, mas a situação não é sustentável. Uma alternativa para conter o déficit é renegociar compromissos, buscando ter mais tempo disponível para amortizar dívidas, ou caso disponível, buscar um novo empréstimo e usar este para pagar empréstimos existentes, modificando assim, implícita ou explicitamente, o perfil da dívida doméstica e das despesas mensais.

Dívida pública não é a mesma coisa, mas diria que não é exclusivamente a mesma coisa, existe claramente um elemento da nossa boa e velha dívida individual nela, porém, a dívida pública é também um instrumento monetário do país, vinculada à gestão do Real e ao Banco Central. Esse segundo aspecto é o menos discutido na esfera pública e o que organizações como a Auditoria Cidadã da Dívida buscam maior transparência por parte do Estado. O Congresso Nacional, entidade que representa o interesse da população, anualmente define o Orçamento Nacional, para a execução pelo Presidente e sua administração. Como leitura adicional, fica o documento do Tesouro Nacional apresentando compromissos legais referentes à dívida presentes no Orçamento [2]. Além deste documento, é público e disponível também o balanço do Tesouro Nacional e o balanço do Banco Central. Com a observação destes documentos é possível avaliar como o Governo administra suas finanças e qual a dinâmica da Dívida, como ela se forma, cresce e é composta. Mas é especialmente interessante verificar a destinação do dinheiro público, e conhecendo a mecânica deste (do dinheiro), notar que durante anos o Brasil vem praticando uma política econômica de favorecimento do capital financeiro em detrimento do capital fixo, humano e ambiental.


Ainda nos aspectos monetários da dívida temos um dos mais relevantes, a taxa básica de juros, Selic(nome vem de Sistema Especial de Liquidação e Custódia). Esta taxa é usada diretamente na definição da remuneração dos Títulos do Tesouro, e é definida pelo Comitê de Políticas Monetárias, o Copom, formado por membros do Banco Central Brasileiro e presidido pelo presidente da mesma instituição. Formado em 1996, tem como função apresentar os relatórios referentes à Inflação e definir a taxa Selic, e foi modelado seguindo exemplos nos EUA e Alemanha, consolidando a hipótese de correlação entre a remuneração dos títulos públicos (e influência em juros entre bancos) e a Inflação no período. A intuição aqui é que uma vez que a remuneração dos títulos é maior, diminui-se a ação econômica, estimulando a poupança, reduzindo a demanda e assim preços, causando pressão deflacionária. Esta correlação, porém, não é sustentada por estudos que atestem os efeitos de tais variações na Selic nos indicadores de Inflação [3]. Uma vez que esta relação se mostra falsa, ou cujo efeito é pequeno e não determinístico, só nos resta anos de prática de altos valores para a Selic, impactando fortemente a dívida pública (pois representa os juros que o Tesouro paga aos detentores de títulos) e com mínimos efeitos na mitigação da Inflação. São mais de 30 anos da prática dessa teoria econômica que resultou em endividamento da nação, sem resultados práticos no controle monetário e acentuando uma grave desigualdade econômica e social da população, além de reduzir a capacidade de atuação do Governo que tem parte cada vez maior do seu orçamento consumida com despesas relativas à Dívida (amortização e juros). Existem certos agravantes do ponto de vista de práticas do Tesouro, como as Operações Compromissadas, e o Swap Cambial. As primeiras são utilizadas como um mecanismo de liquidez monetária, e em termos básicos consistem de um compromisso futuro de recompra ou revenda de um ativo alienado para consessão de crédito, similar a uma penhora. O Swap Cambial é uma medida de proteção oferecida para transações em moedas estrangeiras, onde a incerteza do valor futuro da moeda é mitigada pela opção do uso do valor atual da mesma. Como operações financeiras, ambas são alternativas válidas e tem sua importância, porém, as Operações Compromissadas tem um enquadramento diferente da dívida adquirida para financiar as atividades do Governo, e nesse caráter, carecem transparência e foram responsáveis por forte ampliação da Dívida sem contra-partida para a população [4 e 6]. O Swap é ainda mais explícito no seu ataque ao patrimônio público, pois oferece uma condição de saída para quem contrata, em caso a moeda estrangeira perca valor (e torne-se mais barata), efetivamente removendo qualquer lucratividade que o Tesouro poderia ter, servindo como financiamento público de atividades cambiais, que favorece uma parcela mínima da população [5].
Recomendo consulta aos arquivos da Auditoria Cidadã da Dívida, e de suas fontes, para observar a atual composição da dívida, seu crescimento e pagamento, assim como sempre que possível, quais os destinos desses pagamentos, ou seja, quem são os credores da dívida. Esta dívida se tornou a monstruosidade que é durante o Governo Militar, e teve seu crescimento ampliado com o estabelecimento do Plano Real e das práticas econômicas para manutenção do mesmo. É inegável o estabelecimento dessas práticas econômicas com o movimento global que ficou conhecido como Neoliberalismo (repare a menção à Chicago na primeira imagem), e a correlação da história da dívida e políticas econômicas do Brasil com os eventos internacionais, como o Fed do Volker, Tatcher, Reagan, Pinochet e a reconfiguração econômica da China, assim como a tragédia russa durante a redemocratização (formando a conhecida Oligarquia Russa). Como já apresentei em outros artigos, existem economias que não favorecem uma economia inflacionária tradicional, construída sobre enormes montanhas de débitos, especialmente nos Governos. Estas economias inflacionárias são marcadas por períodos de crescimentos com constante acúmulo do débito e severas depressões onde o crédito se extingue, e se reorganiza a economia (ou se enterra a defunta e fecha a porta). O problema é que a cada vez mais este fenômeno ocorre no mundo, com mais frequência e envolvendo mais nações, o que projeta no horizonte uma grande depressão global, onde todo o modelo econômico cai por terra. Deve-se levar em consideração o papel da Globalização e da alta dolarização da economia (fim do Padrão Ouro na década de 70) na construção de um perverso sistema de acumulação de renda e transferência de capital dos países em desenvolvimento para uma elite global, que se manifesta nesse constante fantasma da Dívida Pública, e em políticas monetárias de alta complexidade mas sem sólidos arcabouços empíricos que mostre a real eficácia destas políticas e práticas. Por fim, no atual contexto brasileiro, deve-se remover as instituições financeiras parasitárias que se alimentam da economia por meio da Dívida, assim como formatá-la para readequar sua função para o objetivo inicial, não o de remunerar depósitos aos custos do erário, mas sim o de servir de fundamento na construção da nação. A Constituição Federal, em seu artigo 126, já define a proibição de emissão de títulos para depesas correntes, o que cumpre portanto o papel da EC 95, de restringir as despesas da União, demonstrando que esta por sua vez tem como interesse aprisionar a população nesse cruel sistema de espoliação do país.

Leituras Adicionais e Fontes:
Explicação Simples
[1] http://www.politize.com.br/divida-publica-como-ela-afeta-o-seu-dia-dia/

Lei Orçamentária referente à Dívida
[2] http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/375694/Parte%202_4.pdf

Taxa Selic e Inflação
[3] https://auditoriacidada.org.br/conteudo/a-real-efetividade-do-juros-como-ferramenta-de-controle-da-inflacao/

Artigo Contraponto com relação às Operações Compromissadas (em partes, pois não combate informações públicas oferecidas pela auditoria cidadã, mas sim a entrevista de Ciro ao Roda Viva, o que como toda entrevista envolve possíveis erros na apresentação de números)
[4] https://bianchini.blog/category/operacoes-compromissadas/

Reunião da Comissão de Transparência e Governança Pública no Senado Federal para discussão do Swap Cambial
[5] http://www.sitraemg.org.br/saiba-como-o-swap-cambial-influencia-no-bilionario-endividamento-do-pais/

Material da Auditoria Cidadã da Dívida sobre Operações Compromissadas
[6] https://auditoriacidada.org.br/conteudo/quase-meio-trilhao-de-reais-para-bancos/

Balance Sheet do BACEN (Banco Central do Brasil)
[7] https://www.bcb.gov.br/htms/inffina/be201806/Demonstra%E7%F5es%20Financeiras%20BCB%2030.6.2018.pdf
[8] https://www.bcb.gov.br/?BALANCETE

Auditoria Cidadã da Dívida
[9] https://auditoriacidada.org.br/explicacao/

Corrupção no (des)Governo Militar
[10] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/04/01/conheca-dez-historias-de-corrupcao-durante-a-ditadura-militar.htm

Imagens (começando do topo):
[1] https://grrrgraphics.com/wp-content/uploads/2017/06/illinois-debt-cartoon_1_orig.jpg
[2] https://operere.blogspot.com/2014/02/a-oligarquia-internacional-deseja.html
[3] https://pensabrasil.com/wp-content/uploads/2015/08/divida.jpg

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