Reformando a Política


Sempre achei que o título Reforma Política é vago, pra mim todas as reformas do Governo são políticas, afinal é o que política é, a área da filosofia que estuda Leis e Governo. O que no Brasil se discute é por alguns setores, uma reforma nas estruturas de poder, por exemplo, eliminação do Senado, Parlamentarismo ou até mesmo Monarquia e Ditaduras Militares, e o que ao meu ver é uma das poucas discussões racionais no atual momento, uma Reforma Eleitoral. Nada muda nas estruturas de poder, e talvez até mesmo em seus números, porém muda-se como os representantes são escolhidos, e como consequência disso, quais as regras desta disputa. Presenciei no estado de Washington, nos EUA, duas coisas que chamam a atenção neste assunto, uma é a disputa distrital, outra são as iniciativas.


A disputa distrital é o que o nome implica, o estado é dividido em distritos e estes distritos elegem um representante para o congresso federal, House of Representatives, não li todas as regras sobre o assunto, mas no panfleto eleitoral, que você recebe pelo correio, para todos os cargos legislativos que vi nesse panfleto (inclusive o da infame eleição de 2016), só haviam dois candidatos na disputa, todos manifestavam partido, cargos fora da legislatura na maioria eram entre dois sem que necessariamente fosse partidário (mas a maioria é), e para Presidente haviam alternativas mas não lembro de ver todas no panfleto, além disso, não sei se isso é uma ocorrência natural ou uma regra do processo eleitoral (discussão sobre a polaridade de dois partidos). Independente do número de candidatos para um cargo, a eleição distrital tende a aproximar as candidaturas dos eleitores daqueles distritos, candidaturas tendem a ter um custo menor, pois não faz sentido conseguir voto de outro distrito então é uma campanha localizada (claro que campanhas no executivo são mais abrangentes e logo, caras). Porém, a arbitrariedade gritante nesse sistema está na definição dos distritos, e isso cria situações pitorescas de favorecimento de um partido por meio de um distrito de curvas tão arbitrárias que removem completamente a ideia de representatividade da população. Independente do posterior método eleitoral a ser definido (a votação em si, que discutirei em breve), estas eleições tendem a ser pré-definidas, e permitem muito pouca flexibilidade ideológica na condução (distritos vermelhos votam vermelho, e raramente mudam). Outra aparente vantagem é que os eleitores tem um grupo bem menor de opções na hora de votar, e é fácil lembrar e acompanhar os projetos, e até mesmo ligar e cobrar a atividade parlamentar de seu representante, em votações críticas como o Obamacare, a população tende a fazer bastante pressão nos representantes de seus distritos. Por fim, temos que lembrar que cria-se no congresso uma maior dispersão ideológica, e nem sempre os partidos tem coesão, Obama em seu primeiro mandato teve uma super maioria Democrata no Congresso, mas nem por isso havia uniformidade ideológica que permitisse que ele tivesse uma agenda mais agressiva, levando em conta sua campanha, ele teve que ceder em diferentes situações, a mais evidente de todas na resolução apresentada a crise bancária em 2008 e no já mencionado Obamacare.


As iniciativas são uma forma de a população estabelecer uma ação legislativa, o funcionamento da lei nos EUA é diferente do Brasil, mas não tenho formação no assunto e não sei discutir os porquês, mas mesmo levando em conta o contexto legislativo brasileiro, as iniciativas seriam como se a população pudesse não somente votar um Plebiscito, mas lançar um para votação. Tudo se inicia em uma iniciativa popular que coleta assinaturas de eleitores interessados na proposta, por exemplo, uma nova lei de proteção ambiental, e atingindo um certo número de assinaturas isso é levado junto à liderança da legislatura, que avaliará a consitucionalidade e aderência a outras normas e uma vez validado, essa Iniciativa irá para votação na próxima eleição, observo que não sei se eles podem abrir uma exceção e mandar para votação direta, mas foi assim que vi uma delas ir para votação, ela foi junto com a eleição presidencial de 2016. Nos panfletos eleitorais recebidos pelo correio vem o mínimo que um eleitor precisa saber para votar, cada candidato apresenta seu currículo e sua proposta, coisa simples, uma coluna de uma página. O mesmo vale para as Iniciativas, em uma página será apresentado o corpo da Iniciativa, e é concedida uma coluna para a defesa do Sim e uma para a do Não. Obviamente campanhas digitais e na TV, Rádio e jornal, acontecem, mas é importante que o mínimo é provido nesse panfleto servindo como alicerce para comunidades menos providas de mídias de informação ou imersos em censura e propaganda. Não consigo ver nada negativo nas Iniciativas, elas só reforçam a existente noção de Democracia e do poder da população em destituir um governo de suas armas de opressão.


Eu tenho um certo receio com relação ao voto distrital no Brasil, mas seria a única opção a ser considerada em oposição ao atual sistema proporcional. Porém, nestas eleições vi uma campanha que me chamou a atenção, um grupo de candidatos campanhando juntos, no que eles colocaram como Bancada Humanitária ou algo assim, nesta proposta, cada candidato faz a campanha sobre um número único, o de um dos membros, porém adota uma ou mais das agendas da bancada como sua bandeira de campanha. Isso permite quebrar um obstáculo na obtenção dos votos uni-proposta (Single Issue Vote, decidi inventar termo, mas é por exemplo, voto em quem for a favor de taxar igreja, não me importa o que mais ele vai fazer), que é exatamente a aversão a uma ou outra bandeira do partido, por exemplo, não voto no Fulano porque ele é a favor do aborto, mas esse é o único obstáculo. Como o sistema é de eleição proporcional, o candidato único da bancada vai angariar uma boa fatia dos votos e usar isso para conseguir trazer mais representantes pra causa. Independente se isso é melhor que um sistema distrital, existe uma ausência maior de arbitrariedades, como o desenho dos distritos, e faz com que a representação se desenvolva mais organicamente na população, além de respeitar mais o voto individual, o que no sistema distrital por trás dos colégios eleitorais americanos é obviamente furado (vide eleição de Hillary por voto popular).


No que tange a parte final da reforma, que são as regras da disputa, existe um mecanismo alternativo para escolha de cargos individuais (não vale no sistema proporcional), proposto inclusive ao Congresso americano (HR 3057), e que poderia derrubar o monopólio do sistema de dois partidos. O nome desse mecanismo é Escolha Ranqueada, basicamente o eleitor ordena seus candidatos, do mais favorito ao menos, podendo inclusive deixar candidatos de fora. Na cédula de votação do eleitor estaria algo como 1. Tiririca, 2. Silvio Santos 3. Machado de Assis e assim por diante. É feita uma primeira contagem dos votos, o candidato em última posição, é removido da corrida e as cédulas que o apresentaram como primeira opção, tem seu voto transferido para a segunda opção. Este processo se repete até que um candidato tenha a maioria (50%+1) dos votos válidos. Um excelente sistema, rápido para o eleitor (se quiser pode só escolher 1 mesmo), flexível para o mesmo (pois tem como escolher alternativas caso sua primeira escolha tenha falhado) e menos custoso para executar, pois em sistemas como o de dois turnos no Brasil, é caro a realização, é caro a dupla campanha dos candidatos, é caro em corrupção na compra de apoio e enfim, é chato pra caramba ter que ir votar duas vezes. Soma-se isso ao que apresentei em meu último post sobre eleições eletrônicas, e com o uso de Blockchains avançadas, como é o caso da Ethereum, é possível desenhar um sistema de votação ranqueada que permite ao candidato eleito saber qual foi a composição de sua base de votos (sem comprometer a identidade do eleitor), por exemplo, Tiririca ganhou, mas 20% de seus votos vieram de Machado de Assis. Isso permitiria ao candidato ajustar seu programa eleitoral para atender a uma de suas bases eleitorais que inicialmente estava desanimada com sua campanha mas que foi responsável por sua eleição.

Fonte das imagens:
[1] https://www.historyofparliamentonline.org/schools/ks3/political-reform
[2] https://www.southerncoalition.org/gerrymandering-101/ 
[3] http://www.knkx.org/post/initiative-732-carbon-tax-swap-address-climate-change
[4] http://www.nwnewsnetwork.org/post/election-rarity-no-initiatives-qualify-november-statewide-ballot-washington 
[5] http://www.duluthnewstribune.com/opinion/columns/3852510-local-view-ranked-choice-voting-problematic-duluth

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