Seu Paulo


Joguei minha primeira e única composição no SoundCloud, tenho bastante simpatia pela letra, exclusivamente minha, a composição musical foi do Luizinho que tocou flauta e lead guitar, eu palpitei sobre como a letra tinha pintado na minha cabeça e que tipo de melodia podia acompanhar, assim como eu toco o pandeiro e portanto botei um ritmo mais sambado. Isso tudo surgiu de uma ideia do Luizinho de participar de um festival de música da Rede Cultura, e ele precisava de uma inspiração ou uma letra que ele pudesse compor em cima. O Duca estava lá nesse dia, e a Tati também, e o Duca fez o outro violão. A Tati iria cantar comigo, mas foi tudo tão corrido e ela não estava confortável com a voz dela, mas ela cantou no único dia de ensaio que tivemos. Tinha um primo do Luizinho lá também, não lembro o nome, e acho que ele teria sido a melhor opção pra cantar, ele até me deu umas dicas. Sempre que lembro desse dia lembro do perrengue, caraca, fomos gravar um dia depois que compomos e ensaiamos a música, em um estúdio simples em Osasco. Fomos de barriga vazia quase e com grana contada, acho que não passava de cem reais. O lugar cobrava por hora, então sabíamos que tinhamos bem pouco tempo, mas o cara foi super gente boa e olhando o bando de duro deixou de faturar um tantinho. Foi uma gravação legal, eram canais separados, e lembro que gravamos em uns três takes, não lembro bem o que veio antes, sei que o Luizinho tocou a flauta no fim, mas ouvindo tenho a impressão de que não toquei pandeiro enquanto cantava, e claramente não sou bom na coisa, hahahaha, ficou bem meia boca o pandeiro. Quando terminamos só tinhamos o dinheiro da passagem e uma fome lascada, daquelas de dar fraqueza. Juntamos moeda pra dividir um salgado em cinco, rapaz, cena de semi árido com seca, foi dureza mas valeu bastante a pena, foi ótimo criar algo do nada, onde antes só tinha silêncio, a gente fez música, onde antes só tinha um sentimento, a gente fez poesia. Não lembro o ano ao certo, mas acho que era 2005 ou um antes, um depois.

Abaixo a letra pra cantar junto, especialmente se tiver mais fôlego que eu. Em minha defesa, o primeiro take tinha ficado melhor, mas acabamos pegando o segundo, e eu não consegui ter fôlego pros últimos versos. A rima é pobre, mas a gente era tudo pobre também, então é elas por elas. A composição surgiu quando estava no ônibus para o Colinas, pra quem conhece sabe que a viagem é longa, e quando passei pelo Tietê, todo sujo, e aquele trânsito, pensei em como retrataria a cidade se ela fosse uma pessoa, daí o nome Seu Paulo, um cabra fudido, cheio de doença e vício, mas trabalhador e esperançoso.

Seu Paulo (áudio)

Ele vibra ele roda ele só quer sambar
ele tem mais de mil faces para expressar
em seu leito só dorme quem não vai morar
em sua casa só fica quem sabe guardar

O sol cedo levanta queima o lombo fraco
suas crianças só pensam em árduo trabalho
no almoço ele vê que o prato é escasso
o patrão miserê diz que o vale tá pago

Seu cachimbo fumaça tem cheiro ruim
sua cachaça desgraça parece capim
lá no morro desgosto não tem mais pra mim
lá em casa socorro a mulher diz que é o fim

Madrugada uma guerra ele pensa em morrer
o amigo safado sua mulher quer comer
o dinheiro sumiu o que eu vou fazer
Expedito seu cabra vem me socorrer


Foto usada no início extraída de: https://streetartnews.net/2015/10/herakut-m-city-collaborate-on-large.html

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